Podcast Economistas: orçamento público e orçamento doméstico

  • 2 de agosto de 2024
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Quais são as diferenças entre o orçamento público e o orçamento doméstico? Roberto Piscitelli falou ao podcast Economistas e também escreveu sobre o assunto

Está no ar mais uma edição do podcast Economistas e quem conversa conosco é Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília e consultor legislativo na Câmara dos Deputados. O economista abordou as diferenças entre o orçamento público e o orçamento doméstico. Acesse este episódio na sua plataforma favorita ou no player abaixo e leia a seguir o texto escrito por ele sobre o assunto.

Uma corrente de economistas, mais identificada com o que se poderia caracterizar como ortodoxos, costuma defender a ideia de que os dois orçamentos se assemelham, e preconizam a necessidade de um equilíbrio entre receitas e despesas, mais conhecida pelo mote “não se pode gastar mais do que se arrecada”. A questão primordial, entretanto, é que ambos não devem ser comparados; as finanças pessoais ou familiares e as nacionais são completamente diferentes: as primeiras são de âmbito doméstico restrito, as outras tratam das necessidades coletivas, meritórias, e dizem respeito à população como um todo e às suas relações com a comunidade internacional. As decisões, no primeiro caso, cuidam dos interesses individuais; as demais estão relacionadas às funções essenciais de um Estado soberano, do qual se exige o atendimento das suas atribuições inerentemente vinculadas à alocação e (re)distribuição dos recursos e à compatibilização entre a economia real e a monetária. Não faremos comentários sobre os aspectos constitucionais e legais do orçamento público.

A alocação de recursos no orçamento público obedece a uma série de objetivos, prioridades e metas constantes da programação governamental. Além do orçamento propriamente dito, ressaltam-se o plano plurianual, os planos nacionais, setoriais e regionais, e a lei de diretrizes orçamentárias, que, por assim dizer, direcionam e coordenam todas as ações do Estado e sinalizam aos demais agentes econômicos – públicos e privados – os rumos da política econômica. Isso evita a dispersão, o desperdício e a duplicação de esforços e recursos.

Há toda uma regulamentação, uma normatização em relação à utilização dos recursos públicos, que, afinal, resultam da contribuição de todos os cidadãos e entidades e, por isso mesmo, precisam ser rigidamente controlados e ter sua aplicação permanentemente avaliada. As diversas modalidades de classificações das receitas e despesas são essenciais para tornar inteligível a linguagem orçamentária e possibilitar a prestação de conta por todos aqueles que, de uma forma ou de outra, são responsáveis por agir em nome de todos nós. É fundamental que cada um de nós seja capaz de avaliar a qualidade do gasto público, sua finalidade e destinação, seus beneficiários, os resultados obtidos em comparação com os esperados.

Do ponto de vista da maior rigidez ou flexibilidade, isso depende de vários fatores, principalmente da capacidade do governo de gerar fontes de recursos para financiar suas iniciativas, condicionada à disposição dos cidadãos em participarem desse esforço coletivo. Por outro lado, os limites impostos pelo Estado dependem da natureza e do nível das necessidades da população, que variam no tempo e no espaço, e da maior ou menor facilidade de se ajustar às prioridades. Mas, basicamente, o Estado se financia através da tributação e de empréstimos.

O Estado, assim como as entidades em geral – e as pessoas, em particular – dependem em graus diversos de endividamento, para se manterem e crescerem. Nisso não há, em si, nenhum mal, embora a questão esteja seguidamente associada a preferências e restrições de cunho ideológico. O Brasil, por exemplo, tem uma relação dívida/PIB perfeitamente aceitável, seja em termos absolutos, como relativos. A razão da dívida bruta se situa em torno de 76%; a líquida, de 61%. A relação dívida/PIB de outros países – que poderiam servir de parâmetro para o Brasil – se situa em níveis bem mais elevados que os nossos: Japão, 264%; Itália, 155%; Estados Unidos, 122%; França, 115%; Canadá, 107%; Reino Unido, 97,6%; China, 77,1%. Claro está que muitos fatores condicionam os riscos associados à dívida, tais como seu custo, perfil, moeda em que está inscrita, retorno dos investimentos relativos aos respectivos custos (juros) e prazos de maturação. Só a título de ilustração, convém notar que o País tem reservas internacionais, estimadas hoje em mais de 350 bilhões de dólares.

Em relação ao orçamento doméstico, o controle de gastos e a gestão financeira, além do âmbito restrito em que se situam, têm uma perspectiva de prazo mais curto, inclusive para o restabelecimento do equilíbrio. As negociações para regularização são mais diretas e personalizadas. No caso do orçamento público, o âmbito é muito mais amplo, as perspectivas são de médio e longo prazo, e envolvem negociações que transcendem o plano nacional, com instituições multilaterais. A normalização das relações envolve muitas questões políticas e interesses estratégicos. Em geral, as operações estão respaldadas por garantias e envolvem projetos de grande alcance.

O ajuste num orçamento público depende de variáveis macroeconômicas, inclusive relacionadas com medidas que podem ser de caráter estrutural. Muitas vezes estão condicionadas a manifestações de cidadãos, que envolvem longas discussões e complexos mecanismos de negociação. Num orçamento doméstico, os ajustes tendem a ser tópicos, dependem muitas vezes de mudanças de comportamento e estão relacionados a questões mais específicas, tais como buscar uma complementação de renda ou um rearranjo na estrutura dos gastos individuais e familiares.

Os investimentos, no caso do orçamento público, são, em geral, de longo prazo, de maiores dimensões, risco mais elevado e prioridade no retorno social, o que se traduz em critérios de avaliação bem diferentes daqueles colocam em realce os resultados econômicos propriamente ditos. No âmbito doméstico, trata-se, em geral, de bens de consumo durável, prazos mais curtos de amortização, baixo risco de frustração, com critérios eminentemente econômicos.

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