Podcast economistas: Orçamento público em tempos de ajuste fiscal
Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo, falou sobre a importância do planejamento e criticou distorções causadas pelas emendas parlamentares
Está no ar a edição número 119 do podcast Economistas e o tema desta vez é a função do orçamento. O assunto foi tema de um debate na Câmara dos Deputados, e uma das debatedoras foi a procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. O podcast pode ser ouvido AQUI, na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
“Eu faço questão de falar de um conflito de interesses dessa envergadura, porque assim se percebe o que é o conflito distributivo em pauta na quebra dos pisos da saúde e educação, na revisão da garantia do salário mínimo, enquanto este mesmo Congresso continua reiteradamente ampliando renúncias fiscais que já perfazem cerca de meio trilhão de reais”, apontou a procuradora.
Um dos temas de destaque no debate econômico tem sido o ajuste fiscal, ou seja, a necessidade de o governo federal elevar suas receitas ou diminuir suas despesas de modo que possa cumprir as metas previstas no novo arcabouço fiscal. Para 2024 a meta de resultado primário é zero – nem superávit, nem déficit. A faixa de tolerância corresponde a 0,25% do PIB. Para Élida, não se pode fazer o debate das vinculações que amparam direitos fundamentais sem observar as renúncias fiscais.
“Eu faço questão de falar de um conflito de interesses dessa envergadura, porque assim se percebe o que é o conflito distributivo em pauta na quebra dos pisos da saúde e educação, na revisão da garantia do salário mínimo, enquanto este mesmo Congresso continua reiteradamente ampliando renúncias fiscais que já perfazem cerca de meio trilhão de reais”, apontou a procuradora.
Élida também criticou a forma como o Congresso Nacional trata a questão do orçamento. “Cada emenda parlamentar, de uma certa forma, configura uma espécie de unidade orçamentária. O parlamentar pode indicar o CNPJ do beneficiário sem sequer passar pelo filtro que temos, do ponto de vista da aferição, da prestação de contas, de provar que o preço é compatível com a referência de mercado e justificar a escolha”, afirmou a procuradora. “Quem já trabalhou dentro do Executivo sabe o que é motivar uma dispensa ou inexigibilidade de licitação. Há um processo formal. O parlamentar indica sem esse filtro e isso é um regime jurídico análogo ao período pré-1988”.
“O orçamento das prefeituras é um faz de conta que abre margem para que depois os prefeitos tenham um espaço imenso para abertura de créditos adicionais. Há prestações de contas em que o prefeito, sozinho, alterou até 130% do orçamento. Se o planejamento é protocolar, a execução é abusiva e o controle é omisso, qual é o saldo que fica? O exemplo mais caro de distorção alocativa é comprar kit de robótica para escola que não tem água tratada” pontuou Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo.
A procuradora também mencionou o fato de que em diversas prefeituras as leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) são feitas de acordo com modelos prontos que não levam em conta a realidade e as dificuldades de cada município. Assim, o orçamento perde sua função como ferramenta de planejamento, governança, prestação de contas e promoção do desenvolvimento.
“As prefeituras contratam junto a assessorias de contabilidade um modelo pasteurizado. Não tendo um diagnóstico prévio, aquilo depois vira um cheque em branco para o prefeito fazer o que bem entende”, argumentou. “O orçamento das prefeituras é um faz de conta que abre margem para que depois os prefeitos tenham um espaço imenso para abertura de créditos adicionais. Há prestações de contas em que o prefeito, sozinho, alterou até 130% do orçamento. Se o planejamento é protocolar, a execução é abusiva e o controle é omisso, qual é o saldo que fica? O exemplo mais caro de distorção alocativa é comprar kit de robótica para escola que não tem água tratada”.
Em semanas anteriores chegou a ser discutida a desvinculação entre o salário mínimo e os benefícios previdenciários. Representantes do governo afirmam que a proposta não será levada adiante, mas o debate sobre o ajuste fiscal passa também pelos gastos sociais. Estão em discussão no governo mudanças nos pisos em saúde e educação, cujos gastos estariam crescendo acima dos gastos discricionários do governo. Élida Pinto afirma que os gastos em educação são bastante falseados a fim de que se cumpra o piso e lembra que a Constituição brasileira busca atender aos que mais precisam.
“Inclusive os pisos em saúde e educação, para que se tornem aderentes aos respectivos planos setoriais. Não fazemos o debate, no sentido sério do termo, sobre o que é política pública. Com diagnóstico para fazer um planejamento, testando soluções”, pontuou Élida.
“É tão pueril falar de ajuste fiscal apenas mirando as proteções dos direitos fundamentais. Não houvesse o piso em educação, certamente os prefeitos não aplicariam nas escolas. Saúde ainda tem um quê de fetiche eleitoral de curto prazo. A educação não”, comentou. “Quem, como eu, anda por São Paulo, sobretudo no centro, com 65 mil pessoas em situação de rua, percebe que não podemos falar em diminuir muito mais o tamanho do Estado. Podemos qualificar, tornar os pisos aderentes ao planejamento, fazer um debate da escala mínima dos serviços”.
A procuradora defendeu ainda que há muitas searas que podem ser aprimoradas dentro do debate do ajuste fiscal. “Inclusive os pisos em saúde e educação, para que se tornem aderentes aos respectivos planos setoriais. Não fazemos o debate, no sentido sério do termo, sobre o que é política pública. Com diagnóstico para fazer um planejamento, testando soluções”, pontuou Élida. “Ninguém aqui promete dar tudo a todos em um caráter demagógico. O que queremos é que o planejamento ordene as prioridades. O controle não pode ser protocolar e atrasado, precisa retroalimentar o planejamento”.