Presidente do Cofecon fala sobre o envolvimento de autoridades brasileiras no Pandora Papers
Na segunda-feira (04), o Jornal da Tarde, da TV Cultura, repercutiu o caso Pandora Papers e convidou o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, para discutir o assunto e as suas implicações sobre a economia brasileira. Confira o material na íntegra clicando aqui.
O Pandora Papers é o desdobramento de um processo investigativo que reuniu mais de 600 jornalistas de 117 países para analisar quase 12 milhões de documentos financeiros vazados de paraísos fiscais. As informações coletadas na investigação revelam a fortuna acumulada por diversas autoridades e pessoas públicas de todo o mundo em offshores, que são empresas ou contas bancárias situadas em territórios cuja legislação favorece a aplicação de capitais estrangeiros, por meio de uma cobrança de tributos a uma alíquota muito baixa ou nula.
Entre os envolvidos no caso, estão as duas das maiores autoridades monetárias do Brasil: o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, donos de offshores milionárias em países do Caribe. De acordo com o presidente do Cofecon, os gestores cometeram claras ilegalidades. “Existe um claro conflito de interesses nos casos em questão. Eles têm um acesso privilegiado a informações da política econômica, podendo se beneficiar de suas próprias decisões. Por isso o código de conduta do servidor público impede que eles tenham contas no exterior. Mesmo que fosse legal, seria absolutamente imoral”, salientou Lacerda.
O economista também chamou a atenção para um efeito adverso que a notícia traz para a economia brasileira. “O exemplo que vem de cima é muito importante. Se você tem duas autoridades econômicas desse patamar investindo em offshores, você passa uma mensagem de que investir no próprio país não vale a pena”, alertou o presidente do Cofecon.
Lacerda explicou que as operações financeiras que envolvem transferências de valores para offshores não é necessariamente ilegal, desde que devidamente declaradas às autoridades brasileiras, mas que a ação suscita uma série de possíveis disfunções econômicas. Segundo ele, “as aplicações financeiras no exterior podem ser feitas dentro da lei. O problema é que muitas vezes o que motiva a conta no exterior é algum dinheiro sem origem comprovada. Ou seja, não tem como controlar isso. Esse tipo de operação comumente pode ter o objetivo de esconder esse patrimônio e sua origem”.
Questionado se as transferências internacionais trazem algum retorno positivo para a econômica brasileira, Lacerda respondeu que “se uma empresa brasileira constitui uma atividade ligada ao setor produtivo ou comercial no exterior, isso reverte de alguma forma para o país, sob a forma de transferência de lucro. No entanto, quando uma pessoa física ou jurídica faz uma aplicação financeira no exterior, o único beneficiado é a pessoa ou a empresa”, elucidou. Para ele, de toda forma, são recursos que estariam sendo melhor aproveitados em prol da nossa população se estivessem gerando emprego e renda no país, em vez de estarem aplicados no exterior.
O presidente do Cofecon apontou que as grandes quantias destinadas a offshores é um fenômeno global que não colabora com a sustentabilidade social. “Estamos vivendo um processo de globalização financeira ou o que chamamos de financeirização. Hoje, temos um total de ativos financeiros rodando no mundo que representa 4 ou 5 vezes o PIB global. Evidentemente, não falta dinheiro no planeta, a questão é que o dinheiro é muito mal distribuído e gerido. Existe essa grande contradição: nunca tivemos tanto dinheiro disponível no mundo – e talvez a desigualdade também não tenha sido em nenhum outro momento tão grave como agora. Esse cenário nos leva a uma questão moral e ética sobre a função da economia, da moeda e das aplicações financeiras. Certamente esse capital que está rodando o mundo sem correlação nenhuma com a produção poderia ser muito melhor aproveitado em prol da geração de empregos, renda, tecnologia, pagamento de tributos e atendimento de demandas sociais de toda a população”, justificou.
Lacerda defendeu uma reordenação econômica mundial que preconize a qualidade de vida do conjunto da sociedade e apontou a política econômica do Governo Biden como um exemplo de ação que favorece os investimentos físicos em detrimento das aplicações financeiras, que, como explicou, acentuam a desigualdade. No Brasil, o economista afirmou que o problema é ainda mais grave. “Temos um rentismo muito forte, ou seja, a busca do ganho por meio de aplicações financeiras. Precisamos criar um ambiente doméstico que favoreça cada vez mais a atividade produtiva, com a geração de empregos e a melhor distribuição da renda, só assim reduziremos o peso da especulação”, argumentou o presidente do Cofecon.
O jornal com a participação de Antonio Corrêa de Lacerda foi ao ar na segunda-feira (04), com distribuição audiovisual para todo o Brasil, por meio do canal do jornalismo da TV Cultura no YouTube. Um dos papeis essenciais do Cofecon é promover o amplo e sadio debate econômico, sendo referência como entidade profissional que contribui de forma decisiva para o desenvolvimento econômico com justiça social. E é com esse propósito que o Conselho tem se empenhado em participar ativamente das discussões econômicas levantadas pela imprensa.