Artigo – Revoluções industriais: do vapor à Internet das coisas

  • 13 de outubro de 2016
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As expressões Quarta Revolução Industrial e Indústria 4.0 têm sido utilizadas com frequência, não apenas em publicações especializadas, mas também em veículos comuns da imprensa em suas variadas mídias – impressa, falada, televisada ou digital.

Nem todos, porém – aliás, eu arriscaria afirmar que um número reduzido de pessoas –, sabem o significado preciso dessas expressões.

Meu objetivo, neste pequeno artigo, é dar um breve mergulho na trajetória das revoluções tecnológicas, significando cada uma delas uma verdadeira mudança de paradigma, na acepção do termo a ele atribuído por Thomas Khun, no clássico A estrutura das revoluções científicas.

A primeira revolução tecnológica, que é consagrada e reconhecida como Revolução Industrial, ocorreu na segunda metade do século XVIII (aproximadamente entre 1760 e 1840) tendo a Inglaterra como nação pioneira. Seu maior símbolo é a utilização da energia a vapor, extraída do carvão vegetal, como fonte energética básica, em substituição às formas tradicionais de energia mais utilizadas até então, quais sejam, energia movida a tração animal e energia hidráulica. Além da transição para a energia a vapor, costuma ser muito enfatizada a introdução de máquinas, transformando em mecânicos processos até então artesanais ou manuais, que dependiam da força muscular. Não tão citada, mas de importância tão grande ou até maior do que essas duas, para a primeira revolução tecnológica é a disseminação da divisão do trabalho, aspecto que não escapou à arguta visão de Adam Smith, que a ela dedicou os capítulos iniciais de sua célebre A riqueza das nações.

Embora lenta em relação a outras revoluções tecnológicas, em razão de seu pioneirismo e da resistência natural diante de algo desconhecido, a primeira revolução tecnológica propiciou não só um significativo aumento, mas também uma enorme diversificação dos bens e serviços produzidos pelas nações que iam se industrializando, sendo fator fundamental para consolidar a hegemonia geopolítica da Inglaterra por muitas décadas.

A segunda revolução tecnológica, também chamada de Segunda Revolução Industrial, ocorreu cerca de um século depois – na metade final do século XIX, portanto – e é simbolizada pela substituição da energia a vapor pelo petróleo e pela eletricidade como fontes energéticas básicas e pelo advento da linha de montagem, que favoreceu a produção em massa.

Essas novas fontes energéticas propiciaram às empresas, à medida que iam se adaptando, um potencial muito superior ao proporcionado pela energia a vapor, expandindo consideravelmente a capacidade produtiva dos países que mais rapidamente se integraram nesse paradigma. Foi a pronta capacidade de se integrar à mudança que permitiu que os Estados Unidos assumissem a hegemonia geopolítica mundial, vindo a Alemanha a seguir.

Surgiu, na sequência, no fim da primeira metade do século XX, outra fonte energética de inegável potencialidade, a energia nuclear. Entretanto, por seu grande poder de destruição, comprovado de forma trágica nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, ela teve seu uso restringido fortemente, não dando origem, assim, a uma nova revolução tecnológica.

A Terceira Revolução Industrial, que se propagou na segunda metade do século XX, é constituída, segundo o Prof. Eduardo Giannetti, pelas tecnologias voltadas à busca, geração, processamento e transmissão de informações e pela engenharia genética. Klaus Shwab, fundador e CEO do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum), afirma que ela costuma ser chamada de revolução digital ou do computador, pois foi impulsionada pelo desenvolvimento dos semicondutores, da computação em mainframe (década de 1960), da computação pessoal (décadas de 1970 e 1980)e da internet (década de 1990).

Essa Terceira Revolução Industrial, caracterizada, portanto, pelo uso crescente dos computadores, cujo tamanho foi se reduzindo aceleradamente, é muitas vezes associada ao fenômeno da globalização e foi acompanhada pela criação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (União Europeia, Nafta,  Mercosul etc.) e pela interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária. Nessa período, fomos testemunhas do aumento da importância relativa dos países da Ásia na economia mundial, começando pelo Japão, que se tornou a segunda maior potência industrial, passando pelos chamados Tigres Asiáticos na década de 1980 (Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong Kong), chegando à China e, mais recentemente, à Índia.

Por fim, a Quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, propaga-se nas primeiras décadas do século XXI e, segundo Klaus Schwab, “baseia-se na revolução digital, caracterizando-se pela internet mais ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e pela inteligência artificial e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina)”.

Embora estejamos em seu início e precisando ainda compreendê-la em toda a sua extensão, já não restam dúvidas a respeito da velocidade e amplitude desse novo paradigma. A esse respeito, vale reproduzir a visão de Klaus Schwab:

Imagine as possibilidades ilimitadas de bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, dando origem a um poder de processamento, recursos de armazenamento e acesso ao conhecimento sem precedentes. Ou imagine a assombrosa profusão de novidades tecnológicas que abrangem numerosas áreas: inteligência artificial (IA), robótica, a internet das coisas (IoT na sigla em inglês), veículos autônomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia e computação quântica, para citar apenas algumas. Muitas dessas inovações estão apenas no início, mas já estão chegando a um ponto de inflexão de seu desenvolvimento, pois elas constroem e amplificam umas às outras, fundindo as tecnologias dos mundos físico, digital e biológico.

Como é natural quando ocorre uma mudança dessa magnitude, existe certa resistência por parte de algumas pessoas mais céticas, que procuram minimizar a importância das alterações em curso, afirmando que não passa de exagero compará-las com as revoluções tecnológicas anteriores. Klaus Schwab, no entanto, está convicto da ocorrência da quarta revolução industrial e apresenta três razões para justificar seu ponto de vista: a velocidade; a amplitude e profundidade; e o impacto sistêmico.

Um detalhamento maior desses aspectos, porém, ficará para um próximo artigo. Nele, farei uma análise mais abrangente da Quarta Revolução Industrial e, também, de como o Brasil está se preparando para ela.

Uma observação final. Muitos historiadores e autores acadêmicos focalizaram esse tema, alguns dos quais se encontram nas referências e indicações bibliográficas mencionadas ao final, porém eu gostaria de terminar este artigo ressaltando três obras que focalizaram essa trajetória de forma pioneira e criativa, alcançando extraordinário sucesso editorial na época em que foram lançadas e, mais do que isso, permanecendo por muito tempo  como leituras extremamente oportunas para compreender a evolução histórica, razão pela qual as recomendo vigorosamente. São elas: A terceira onda, de Alvin Toffler; O mundo é plano, de Thomas Friedman; e Sapiens, de Yuval Noah Harari.

Luiz Alberto Machado – Economista pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP, conselheiro efetivo do Conselho Federal de Economia e assessor da Fundação Espaço Democrático.

Referências bibliográficas

BAIROCH, Paul. Revolução industrial e subdesenvolvimento. Tradução de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo: Brasiliense, 1976.

BRABANDERE, Luc de. O lado oculto das mudanças: a verdadeira inovação requer mudança de percepções. Rio de Janeiro: Elsevier; Boston, MA: The Boston Consulting Group, 2006.

CAIRNCROSS, Frances. O fim das distâncias: como a revolução nas comunicações transformará nossas vidas. São Paulo: Nobel, 2000.

FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Tradução de Cristiana Serra e S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

    GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Globalização, transição econômica e infraestrutura no Brasil. Texto preparado para o Seminário “Competitividade na infraestrutura para o Século XXI”, promovido pelo Instituto de Engenharia, São Paulo, realizado em 24/09/96, reproduzido em Ideias Liberais, Ano IV, N° 62, 1996.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre, RS: L&PM Editores, 2015.

    KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1982.

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas, com a introdução de Edwin Cannan. Apresentação de Winston Fritsh. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas)

TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução de João Távora. 26ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

 

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