Seminário na Câmara discutiu progressividade tributária e redução das desigualdades

  • 16 de agosto de 2024
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Evento foi promovido pelo Cofecon, Corecon-DF e Aslegis e debateu questões como austeridade, reforma tributária, avanços, obstáculos e formas de tornar nossa tributação mais justa

Na tarde de 15 de agosto a Câmara dos Deputados recebeu o seminário “Reforma Tributária Progressiva e Redução das Desigualdades no Brasil”, realizado em parceria pelo Cofecon, Corecon-DF e Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis). Os debates contaram com a participação dos economistas Clara Mattei e Evilásio Salvador, do auditor fiscal Isac Falcão e do consultor legislativo Marcelo Sobreiro Maciel. O evento pode ser assistido na íntegra clicando AQUI e as fotos podem ser acessadas clicando AQUI ou pelo álbum abaixo:

Seminario Orcamento Publico e Legislativo - 16/08/2024

O presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, foi o mediador do debate. Em sua fala na mesa de abertura, ele destacou o PL 3.178/2024, protocolado na última quarta-feira (14), que trata da atualização da Lei 1.411. “Nós estamos tendo a possibilidade de discutir, no âmbito do parlamento, um projeto de lei que busque atualizar o trabalho do economista na sociedade brasileira”, contou Dantas, em referência à legislação que deu vida jurídica à profissão de economista no Brasil. “Na nossa lei, que é de 1951, a atividade é descrita apenas como economia e finanças. São dois universos com dimensões extraordinárias e não há nada amarrado. Esperamos que a nova legislação venha a contemplar as atividades que sejam próprias dos economistas brasileiros”.

Para Luciana Acioly, presidente do Corecon-DF, não basta dizer que o tema do seminário é de alta relevância. “Ele trata de mudanças constitucionais importantes que estão mexendo com a vida de todos, com muitos desdobramentos. Mas a reforma não busca só a eficiência, tem que alcançar também a justiça social”, comentou a presidente.

“Tivemos outro seminário muito rico e concorrido”, afirmou o presidente da Aslegis, Pedro Garrido da Costa Lima, em referência ao evento anterior, que teve com tema o orçamento público. “Depois discutiremos outras mudanças que precisamos para termos um melhor desenvolvimento econômico e social no Brasil. Hoje temos aqui uma gama riquíssima de palestrantes e presenças ilustres”.

A mesa de abertura contou também com o coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon, Heric Santos Hossoé; com o coordenador da Comissão de Política Econômica do Corecon-DF, Roberto Piscitelli; e com o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, Márcio Gimene.

Clara Mattei: “austeridade tem a ver com tributação regressiva”

A professora Clara Mattei iniciou sua fala trazendo números do conflito na Faixa de Gaza. “Temos dados que dizem que 8% da população de Gaza foi morta. Crianças perdendo as pernas, mais de 20 mil órfãos e o Congresso dos Estados Unidos mandando 20 bilhões de dólares adicionais em armamentos para Israel”, comentou a economista. “Temos que discutir nossas políticas no contexto do que o capitalismo significa para as pessoas, sobretudo no sul global. Essa não é uma exceção. O crescimento econômico e o lucro são feitos do sofrimento das pessoas, das crianças em Gaza”.

Ela destaca que a austeridade não significa simplesmente a redução dos gastos do Estado, mas sim uma redistribuição dos recursos que afeta principalmente os trabalhadores e as classes populares. Ela argumenta que, sob o capitalismo, o Estado atua para garantir a transferência de recursos para os poucos que acumulam capital, muitas vezes em detrimento do bem-estar social.

“Austeridade tem a ver com tributação regressiva. Aumentar os tributos de consumo, enquanto estruturalmente isentamos de taxação aqueles que vivem dos impostos”, criticou Mattei. “Temos bilionários no Brasil que não pagam tributos pelos juros”.

A economista afirma que a austeridade, longe de ser uma ferramenta para equilibrar o orçamento ou combater a inflação, tem um papel político fundamental no capitalismo. “Ela serve para disciplinar os trabalhadores, forçando-os a aceitar condições de trabalho precárias e baixos salários, o que, em última instância, garante a manutenção do sistema econômico baseado na exploração. Isso também protege os lucros dos mais ricos, ao mesmo tempo que impõe sacrifícios aos mais vulneráveis”, observou. “É por isso que é importante fazer notar que a austeridade não tem a ver com o Estado gastando menos, tem a ver com ele evitar gastar no âmbito social enquanto subsidiam guerras e investidores de todo tipo”.

No Brasil, a professora aponta que a estrutura tributária regressiva transfere cerca de 30% do PIB das classes trabalhadoras para a elite a cada ano, agravando as desigualdades sociais. Ela critica fortemente a evasão fiscal e a renúncia de tributos às grandes corporações, o que impede que o Estado arrecade recursos suficientes para financiar políticas públicas essenciais. O problema não é a falta de recursos, mas a forma como o sistema fiscal é estruturado para beneficiar os mais ricos. “A ordem do capital não é natural, requer um desemprego alto, precariedade alta. O ponto central é entender que estes não são problemas para o nosso sistema econômico, são soluções, porque a prioridade é estabilizar a relação de classes que é fundamental para o crescimento”, afirmou Mattei

Por fim, Clara conclui que qualquer tentativa de implementar uma tributação progressiva — taxando mais os ricos e aliviando os impostos sobre o consumo — não é apenas uma batalha econômica, mas também uma luta política. “Isso desafia diretamente a lógica do capitalismo, que depende da precariedade e da exploração da força de trabalho para manter sua estrutura de acumulação de capital”, explicou. Para transformar radicalmente a sociedade, ela defende que precisamos questionar e ir além das bases do sistema econômico atual.

Evilásio Salvador: “o sistema tributário é uma forma de perpetuar a desigualdade”

O professor Evilásio Salvador abordou a questão de avançar na reforma tributária progressiva e na redução da desigualdade no Brasil, destacando que o sistema tributário atual é um fator que perpetua desigualdades históricas. Ele lembra que “a capacidade que o Estado tem de mobilizar recursos ultrapassa a questão tributária”, e critica a estrutura do sistema, que muitas vezes opera para a acumulação de capital e não para a redistribuição de renda e riqueza. “O que está por detrás deste debate é: por que o sistema tributário brasileiro não opera no sentido de redistribuição de renda e riqueza? Ele condena os mais pobres a financiar o Estado e manter as políticas públicas”, questionou o economista.

Salvador enfatizou que a desigualdade no Brasil não se limita à questão de classe, mas também se manifesta de maneira racial e regional. “Temos uma desigualdade federativa seríssima. Quem é que está lá embaixo na pirâmide? É a população negra”, apontou. E acrescentou: “Se é para trabalhar a tributação sobre o consumo, por que não reduzir a cesta de consumo das mulheres e permitir a reprodução social? O Estado perpetua a desigualdade. O sistema tributário é uma forma de perpetuar a desigualdade. As mais afetadas são as mulheres negras, quilombolas, os indígenas, precarizados, vítimas diretas da política de austeridade. As contrarreformas trabalhistas e previdenciárias e as desonerações são um exemplo de reprodução destas desigualdades”.

Ele também abordou a queda na participação dos salários na renda nacional, que caiu 12,9% em cinco anos, estando atualmente no pior patamar em 16 anos, resultando em “um Brasil novamente entre os países com baixos salários, empregos precarizados e multidões sobrantes”. Salvador destacou que a participação dos salários no PIB foi de 31% em 2021, mostrando uma reversão da tendência de alta ocorrida entre 2004 e 2016. “Cito também o relatório divulgado no dia 11 de julho sobre a riqueza global. Nos últimos 15 anos, a concentração aumentou 16,8% no Brasil. O País está em segundo lugar num ranking de desigualdade. Até 2028 serão 83 mil novos milionários que não pagam impostos. A tabela do Imposto de renda, a partir da faixa de 40 salários mínimos, vai perdendo a produtividade”.

Outro ponto destacado foi a financeirização da economia, onde “o sistema tributário não acompanhou a criação de novos produtos financeiros”. Salvador criticou o fato de que o Brasil deixou de tributar lucros e dividendos desde 1996. Citou ainda que em 1970, para cada real alocado em investimento ou formação bruta de capital fixo, havia 25 centavos em aplicações financeiras. Em 2020, para cada real, existem R$ 6,38 em ativos financeiros. Ele sugere que uma reforma profunda deveria incluir a taxação de grandes fortunas e lucros remetidos ao exterior, o que poderia trazer bilhões em arrecadação adicional.

Isac Falcão: “não se pode reduzir substancialmente a desigualdade tributando o consumo”

“Ficamos em vigésimo lugar nos Jogos Olímpicos pelo número de medalhas de ouro, mas no quesito desigualdade ficamos muito mais perto do pódio”, afirmou Isac Falcão ao iniciar sua fala. “Em 1988 o constituinte colocou a igualdade como valor supremo no Brasil, e no artigo 3º a redução das desigualdades. Mas isso não é suficiente para resolver ou para reduzir substancialmente os níveis de desigualdade se você não tiver um sistema tributário igualmente progressivo. No capítulo que trata do sistema tributário, temos o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual quem tem mais deve pagar mais, e quem tem menos deve pagar proporcionalmente menos. Não há outra forma de reduzir a desigualdade”.

Falcão observa que a reforma tributária começou pelo campo do consumo, que é estruturalmente regressivo, e que “não se pode reduzir substancialmente a desigualdade por meio da tributação sobre o consumo. As pessoas que têm menor capacidade contributiva consomem mais da sua renda do que as que têm maior capacidade “. Ele destaca que, apesar de mecanismos como o princípio da essencialidade tentarem mitigar os efeitos regressivos, “você continua tributando proporcionalmente mais os que têm menos”. Falcão também levanta dúvidas sobre as simulações do Banco Mundial, que sugerem uma melhora para os mais pobres. Segundo ele, há elementos omitidos nas análises, como a desoneração de serviços consumidos pelos mais ricos, o que acaba “aumentando uma alíquota que atinja a todos”.

Sobre o cashback de 20% para os mais pobres, Falcão questiona: ” Essa é a progressividade da tributação sobre o consumo. Como o Brasil vai ficar menos desigual com a vigência?” E, apesar da possibilidade de melhorias na cumulatividade que podem beneficiar a indústria e o PIB, ele afirma que “aquele valor supremo a igualdade, aquilo que nos notabiliza e nos coloca no pódio mundial, é esse problema parece que nós ainda não atacamos. parece que nós ainda não atacamos”.

Falcão também fala sobre a tributação dos fundos exclusivos offshore, mencionando que “não tinha lei, era uma interpretação”, mas que reverter isso exige “lei, anterioridade, negociação, tudo”. Ele reconhece a desigualdade no Brasil como uma “instituição poderosíssima, imutável, mais perene que a própria Constituição”, menciona que cada isenção dada a um super rico é compensada pela ausência de correção na tabela do imposto de renda e defende que, enquanto não houver leis para tributar os mais ricos, devemos investir na receita federal, colocando recursos prioritários no combate ao planejamento tributário abusivo. “Há uma variedade de formas de planejamento tributário abusivo, que sangram os cofres brasileiros em dezenas ou centenas de bilhões de reais por ano”, enfatiza.

Marcelo Sobreiro Maciel: “no Brasil, não há divisão partidária bem estabelecida em relação à agenda tributária”

Maciel enfatizou que o tema da progressividade tributária e combate à desigualdade esteve afastado do centro do debate econômico por muito tempo, mas que a obra de Thomas Piketty ajudou a fomentar esta discussão. Ele citou também o trabalho de Sergio Gobetti apresentado no Cofecon utilizando números da Receita Federal. Além disso, ele reconhece que a crise financeira global de 2008 teve um papel importante ao provocar uma série de reformas e iniciativas de troca de informações fiscais.

Sobreiro alinha sua perspectiva com outros especialistas ao dizer que “é muito difícil ter algum otimismo” sobre mudanças nesse campo, dadas as limitações estruturais. No entanto, ele pontua alguns sinais de avanço em áreas como a tributação sobre fundos exclusivos, heranças e propriedades, embora esses aspectos também estejam em fase de desenvolvimento. “Em áreas como subvenções de ICMS o progresso é dificultado por interesses empresariais e forças políticas que atuam para impedir o impacto dessas reformas”, apontou.

Por fim, Sobreiro trouxe um ponto interessante sobre como o debate no Brasil sobre tributação tem avançado, mesmo atravessando diferentes governos e ideologias. Ele destaca, por exemplo, que propostas de tributação de dividendos surgiram no governo Temer, continuaram em debate sob Paulo Guedes no governo Bolsonaro e seguiram com o governo atual, indicando que, “no Brasil, não há uma divisão partidária bem estabelecida em relação à agenda tributária. Isso sugere que, diferentemente dos EUA, onde a mobilização social e política tem sido decisiva, o Brasil segue um caminho menos marcado por essas dinâmicas, e mais dependente de fatores institucionais e conjunturais”.

Os palestrantes

A economista Clara Mattei é professora associada do departamento de economia da New School of Social Research, em New York, Estados Unidos, e autora do livro A Ordem do Capital.

Evilásio da Silva Salvador é economista, doutor em política social (UnB) e pós-doutor em Serviço Social (UERJ). É autor do livro Fundo Público e Seguridade Social no Brasil, entre outras publicações.

Isac Falcão é auditor fiscal da Receita Federal e presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco).

Marcelo Sobreiro Maciel é graduado em engenharia elétrica e mestre em ciência política. Atualmente é consultor legislativo da Área de direito tributário e tributação.

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